Hemisfério Sul celeste revela seus segredos pelas imagens do Dark Energy Survey

10 de março de 2015 | LIneA

Astrônomos de dois times independentes (um do levantamento DES e outro da Universidade de Cambridge) anunciaram nesta 2a-feira, 9/3/2015, a descoberta de 8 novos sistemas estelares satélites da nossa galáxia, a Via-Láctea. Esses objetos são todos constituídos por estrelas velhas e pobres em elementos químicos pesados, o que é tipico das estrelas situadas no halo estelar, o componente mais externo da Via Láctea. Os satélites recém descobertos variam em tamanho e distância, mas a maioria deles é mais consistente com uma galáxia anã do que com um aglomerado estelar. A serem confirmados como galáxias anãs, essa descoberta aumenta em 1/3 o número desses objetos conhecidos que orbitam em torno da Via-Láctea.

Os responsáveis pela descoberta participam do projeto internacional Dark Energy Survey (DES). O DES é um levantamento profundo de uma ampla região do Hemisfério Sul com duração prevista de 5 anos e que envolve mais de 300 participantes de dezenas de instituições de vários países, incluindo o Brasil. A descoberta anunciada foi baseada nos dados do primeiro ano do DES. A análise dos dados foi liderada pelos astrônomos norte-americanos Alex Drlica-Wagner e Keith Bechtol, mas o grupo brasileiro no DES, o DES-Brazil, também participou ativamente dessa descoberta. O grupo de trabalho internacional do DES que lida com a Via-Láctea, o DES-MW, é coordenado pelo pesquisador da UFRGS e membro do DES-Brazil, Basílio Santiago, sendo que seus alunos e pos-docs estiveram entre os primeiros a identificar os novos objetos.

Basílio comenta que “a importância da descoberta está não apenas no aumento do censo de satélites da Galáxia, mas também no fato de que as propriedades deste sistema de satélites permite testar os modelos de formação de estruturas cósmicas”. O modelo mais aceito atualmente é de um Universo formado por energia escura, um componente misterioso do Universo que faz com que ele se expanda de forma acelerada, e por matéria escura, um tipo diferente da matéria que conhecemos, esta última constituída por protons, neutrons e elétrons que se agrupam nos elementos da tabela periódica. As simulações de galáxias como a nossa usando este modelo parecem prever um número acentuadamente maior de satélites do que o observado, daí a necessidade de se ter um censo o mais completo possível para avaliar se o modelo precisa ser revisto.

Outro aspecto importante é o de que as galáxias anãs do halo galáctico são justamente os objetos mais ricos em matéria escura. Seu estudo detalhado, correlacionando esses objetos com mapas de emissão de raios gama, por exemplo, nos permite conhecer melhor a natureza da partícula de matéria escura que parece dominar a gravidade dentro da Galáxia e distribuída em todo o Universo. Os raios gama podem ser resultantes de eventos de aniquilacão dessas partículas, sendo que a quantidade de eventos de aniquilação depende das propriedades da partícula, entre elas a sua massa. A análise dos mapas de raios gama na direção desses novos satélites está sendo apresentada em outro artigo científico, resultado de observações com a colaboração do “Large Area Telescope” (Telescópio de Grande Área, LAT). Até o momento não foram encontrados excessos significativos de raios-gama para os objetos recém descobertos. Estes resultados demonstram que descobertas em telescópios ópticos podem ser traduzidas em testes de física fundamental.

A identificação de parte dos objetos foi feita usando ferramentas desenvolvidas pelo DES-Brazil disponíveis em um portal científico, acessível via web para a colaboração. A participação brasileira no DES é gerenciada pelo Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA), cuja responsabilidade é justamente a de promover a participação de pesquisadores brasileiros em grandes projetos internacionais envolvendo uso intensivo de tecnologia da informação. Luiz Nicolaci coordenador do LIneA menciona que “os investimentos financeiros feitos pelo LIneA estão trazendo ótimos dividendos em termos de resultados científicos, permitindo, inclusive, a participação de jovens estudantes em descobertas relevantes na astronomia, e o contacto com colaboradores internacionais de instituições de primeira linha.”


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Figura 1. Imagem da galáxia anã Reticulum II, situada a 100.000 anos-luz do Sol. É a mais próxima das novas galáxias descobertas pela colaboração DES. Imagem obtida com a ferramenta “Tile Viewer”, do Portal Científico do DES, mantido pelo grupo DES-Brazil. As estrelas da galáxia anã são alguns dos pequenos pontos visíveis na imagem.


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Figura 2. A imagem mostrada acima (painel esquerdo) indicando no painel da direita as estrêlas com grande (em vermelho) e baixa (em azul) probabilidade de serem membros desta associação.


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Figura 3. Objeto batizado como J0222.7-5217. É o menor dos satélites descobertos com o DES. É uma galáxia anã ou aglomerado de estrelas? Se for uma galáxia anã será chamado de Eridanus III, pois se localiza na constelação de Erídano e é o terceiro objeto deste tipo naquele setor do céu. Os objetos deste sistema são as estrelas mais azuladas desta imagem, que obtida com a ferramenta “Tile Viewer” do Portal Científico do DES.

 

Mais informações sobre:

DES: http://www.darkenergysurvey.org/
LIneA: http://ww.linea.org.br

Contatos:

Basílio Santiago: telefones: 51 33086441, 51 33301440, 51 99590066; email: basilio.santiago@ufrgs.br

Luiz A. Nicolaci da Costa (coordenador do DES-Brazil): telefone: 21 35049172; email: ldacosta@linea.org.br

Alex Drlica-Wagner, David N. Schramm Fellow, Fermilab, e-mail: kadrlicka@fnal.gov

Keith Bechtol, KICP Fellow, Kavli Institute for Cosmological Physics at the University of Chicago, e-mail: bechtol@kicp.uchicago.edu

Vasily Belokurov, University of Cambridge, e-mail: vasily@ast.cam.ac.uk

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