Observações com a câmera DECam revelam a natureza de evento de ondas gravitacionais

16 de outubro de 2017 | LIneA

Cientistas usando a câmera do levantamento Dark Energy Survey (DES) capturaram imagens do resultado de uma colisão entre estrelas de nêutrons, evento que produziu a detecção de onda gravitacional mais recente (GW170817) pelos observatórios LIGO e Virgo.

Uma equipe de cientistas usando a Dark Energy Camera (DECam), a principal ferramenta de observação do Dark Energy Survey, estão entre os primeiros a observar as consequências de um surto de ondas gravitacional detectado recentemente, registrando imagens da primeira explosão confirmada como consequência da fusão de duas estrelas de nêutrons. Esse violento processo de fusão, ocorrido há 130 milhões de anos em uma galáxia próxima à nossa (NGC 4993), é a fonte das ondas gravitacionais detectadas pelo Observatório Interferométrico de Ondas Gravitacionais (LIGO) e Interferômetro Virgo em 17 de agosto.

Os cientistas do DES uniram forças com uma equipe de astrônomos do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics (CfA) para esta detecção, incluindo observatórios ao redor do mundo para reforçar a detecção feita pela DECam. As imagens tiradas com a DECam capturaram o aumento de brilho súbito e o subsequente enfraquecimento ao longo do tempo (ver Figura 1) de uma kilonova – uma explosão semelhante a uma supernova, mas em uma escala menor – que ocorre quando duas estrelas colapsadas, chamadas sistema binário de estrelas de nêutrons.

Este último evento é a primeira detecção de ondas gravitacionais causada por duas estrelas de nêutrons colidindo e, portanto, o primeiro a ter uma fonte visível. As detecções anteriores de ondas gravitacionais foram atribuídas à fusão de buracos negros, que não podem ser vistos com telescópios. Poucas horas após receber o aviso da LIGO / Virgo, os cientistas conseguiram apontar telescópios na direção do evento e identificar uma fonte de luz associada a ele. Marcio Maia (Observatório Nacional) comenta que “a luz detectada pela DECam foi o resultado do decaimento de núcleos radioativos que foram “engordados” com a grande disponibilidade de nêutrons das estrelas. No momento da fusão, a densidade é altíssima, o que faz núcleos atômicos incorporarem nêutrons deixando-os instáveis, e, como consequência, sofrem decaimento radioativo com a emissão fótons energéticos. No caso de fusão de buracos negros isso não acontece, pois temos dois objetos colapsados que se fundem.”

“Isso está além dos meus sonhos mais loucos”, disse Marcelle Soares-Santos, brasileira atualmente na Brandeis University, que liderou o esforço da pesquisa pelo lado da colaboração DES. “Com a DECam, recebemos um bom sinal, e foi possível mostrar como ele evoluiu ao longo do tempo. A DECam é um dos mais poderosos dispositivos de imagens digitais existentes (ver noticia) e está montada no telescópio Blanco, no Observatório Interamericano do Cerro Tololo, Chile.

A astrônoma da Texas A&M Jennifer Marshall estava observando no telescópio Blanco durante o evento, enquanto os astrônomos do Fermilab Douglas Tucker e Sahar Allam, coordenavam as observações do Centro de Operações Remotas do Fermilab. “Isso foi realmente incrível”, disse ela. “Eu me senti afortunada de estar no lugar certo no momento certo para ajudar a fazer talvez uma das as observações mais significativas da minha carreira “.

kilonova foi identificada em imagens da DECam pelo astrônomo da Universidade de Ohio, Ryan Chornock, que instantaneamente alertou seus colegas por e-mail. “Eu estava examinando os dados brutos e encontrei esta brilhante galáxia e vi uma nova fonte que não estava na imagem de referência (tomada anteriormente)”, disse ele. “Foi muito emocionante”. Uma vez que as imagens cristalinas da DECam foram tomadas, uma equipe liderada pelo professor Edo Berger, da CfA, foi trabalhar analisando o fenômeno. Dentro de horas após a recepção das informações de localização, a equipe havia reservado tempo em vários observatórios, incluindo o Hubble Space Telescope da NASA e Observatório de raios-X Chandra.

LIGO / Virgo trabalham com dezenas de colaborações de astronomia em todo o mundo, fornecendo mapas do céu da área onde as ondas gravitacionais detectadas se originaram. A equipe do DES e do CfA estavam se preparando para um evento assim, há mais de dois anos, estabelecendo conexões com outras colaborações de astronomia e criando procedimentos para se mobilizar, tão logo seja dado o aviso “uma nova fonte foi detectada !” O resultado é um conjunto rico de dados que cobre desde ondas de rádio até raios-X. “Este é o primeiro evento do tipo, aquele que todos vão se lembrar”, disse Berger. “Estou extremamente orgulhoso de todo o nosso grupo, que respondeu de uma maneira incrível. Eu continuei dizendo a eles para saborear o momento. Quantas pessoas podem dizer que foram ao nascimento de um novo campo de astronomia? ”

Adicionando mais emoção à descoberta, esta última detecção de onda gravitacional correlaciona-se a uma explosão de raios gama detectados pelo telescópio espacial Fermi Gamma-ray da NASA. Combinar essas detecções é como ouvir o trovão e ver o relâmpago pela primeira vez. “Cada uma destas – as ondas gravitacionais da fusão de estrelas de nêutrons, a emissão de raios gama e a contrapartida óptica – poderiam ter sido descobertas inovadoras separadas, e cada uma poderia ter demorado muitos anos”, afirmou Daniel Holz da Universidade de Chicago, que trabalha nas colaborações DES e LIGO. “Em menos de um dia, nós fizemos tudo. Isso exigiu que muitas comunidades diferentes trabalhassem juntas para que tudo acontecesse.”

Este evento também fornece uma maneira completamente nova e única de medir a atual taxa de expansão do Universo, a constante do Hubble, algo teorizado por Holz e outros. Assim como os astrofísicos usam as supernovas como “velas padrão” (objetos com o mesmo brilho intrínseco) para medir a expansão cósmica, as kilonovae podem ser usadas como “sirenes padrão” (objetos cuja intensidade da onda gravitacional se conhece). LIGO / Virgo podem usar este fato para determinar a distância destes esses eventos, enquanto o acompanhamento óptico do DES entre outros, determina a velocidade de recessão; sua combinação permite aos cientistas determinar a taxa de expansão recente. Este novo tipo de medida ajudará o Dark Energy Survey em sua missão de entender melhor a energia escura, a força misteriosa que acelera a expansão do Universo.

O Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do e-Universo (INCT do e-Universo) apoiam participantes brasileiros do levantamento DES formando o consórcio DES-Brazil. Os membros do DES-Brazil envolvidos na detecção da contrapartida óptica usando a DECam são: Aurelio C. Rosell (ON), Flavia Sobreira (UNICAMP), Luiz A. Nicolaci da Costa (ON), Julia Gschwend (ON), Marcio A.G. Maia (ON), Marcos Lima (USP) e, Ricardo L.C. Ogando (ON).

Luiz da Costa (ON) coordenador do LIneA e do INCT do e-Universo comenta: “Apoiamos a participação de brasileiros em grandes levantamentos, entre eles o DES. Nos próximos anos teremos início de outros grandes levantamentos como o Dark Energy Spectroscopic Instrument e o Large Synoptic Survey Telescope, ambos prometendo trazer mais novidades.”

DES iniciou recentemente o quinto e último ano de sua missão para mapear uma área do céu do sul em detalhes sem precedentes. Cientistas do DES usarão esses dados para saber mais sobre o efeito da energia escura acima de oito bilhões de anos da história do Universo, no processo que mede 300 milhões de galáxias, 100.000 aglomerados de galáxias e 3.000 supernovas.

Publicações com resultados das observações com DECam podem ser encontradas em:

https://www.darkenergysurvey.org/des-gravitational-waves-papers

Vídeos (em inglês):

Contatos:

• Josh Frieman, Dark Energy Survey Director, Fermilab

• Marcelle Soares-Santos, Brandeis University/Fermilab

• Daniel Holz, University of Chicago

• Edo Berger, Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

• Luiz Nicolaci da Costa, Observatório Nacional & LIneA

• Marcio A.G. Maia, Observatório Nacional & LIneA

A colaboração DES envolve mais de 400 cientistas de 26 instituições em 7 países. Financiamento para o projeto DES é proveniente de: the U.S. Department of Energy Office of Science, U.S. National Science Foundation, Ministry of Science and Education of Spain, Science and Technology Facilities Council of the United Kingdom, Higher Education Funding Council for England, ETH Zurich for Switzerland, National Center for Supercomputing Applications at the University of Illinois at Urbana-Champaign, Kavli Institute of Cosmological Physics at the University of Chicago, Center for Cosmology and AstroParticle Physics at Ohio State University, Mitchell Institute for Fundamental Physics and Astronomy at Texas A&M University, Financiadora de Estudos e ProjetosFundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de JaneiroConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação, Deutsche Forschungsgemeinschaft, e as instituições colaboradoras no projeto DES cuja lista pode ser vista no link.

Figura 1 – Imagem de NGC4993 combinando-se os filtros grz. À esquerda: Imagem da detecção óptica de GW170817, indicada pela flecha. À direita, a mesma área duas semana depois, quando GW170817 deixou de brilhar.

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