O Dark Energy Survey anuncia a análise mais precisa sobre a evolução do universo

27 de maio de 2021 | LIneA

Resumo:

A colaboração Dark Energy Survey (DES) criou os maiores mapas da distribuição e das formas das galáxias, descrevendo a distribuição tanto da matéria comum quanto da matéria escura no universo até uma distância de mais de 7 bilhões de anos-luz. A análise, que inclui os três primeiros anos de dados do levantamento, é consistente com previsões do melhor modelo atual do universo, o modelo cosmológico padrão. No entanto, permanecem indícios do DES e de outros experimentos que a matéria no universo atual é alguns por cento menos aglomerada (ou amontoada) do que o previsto.

Artigo:

Novos resultados do Dark Energy Survey (DES) usam a maior amostra de galáxias já obtida em uma grande parte do céu para produzir as medições mais precisas da composição e crescimento do universo até o momento. Os cientistas mediram que a maneira como a matéria é distribuída por todo o universo é consistente com previsões no modelo cosmológico padrão, o melhor modelo atual do universo.

Ao longo de seis anos, o DES inspecionou 5.000 graus quadrados – quase um oitavo de todo o céu – em 758 noites de observação, catalogando centenas de milhões de objetos. Os resultados anunciados hoje se baseiam em dados dos três primeiros anos — 226 milhões de galáxias observadas ao longo de 345 noites — para criar os maiores e mais precisos mapas até agora da distribuição de galáxias no universo em épocas relativamente recentes.

Como o DES estudou galáxias próximas, bem como aquelas a bilhões de anos-luz de distância, seus mapas fornecem tanto um instantâneo da atual estrutura em grande escala do universo e um filme de como essa estrutura evoluiu ao longo dos últimos 7 bilhões de anos.

Para testar o modelo atual do universo desenvolvido por cosmólogos, os cientistas do DES compararam seus resultados com as medições do satélite Planck da Agência Espacial Europeia. Planck usou sinais de luz conhecidos como o fundo cósmico de micro-ondas para perscrutar o universo primitivo, apenas 400.000 anos após o Big Bang. Os dados de Planck dão uma visão precisa do universo há 13 bilhões de anos, e o modelo cosmológico padrão prevê como a matéria escura deve evoluir para o presente. Se as observações do DES não corresponderem a esta previsão, há possivelmente um aspecto desconhecido para o universo. Embora os resultados divulgados recentemente sejam consistentes com a previsão, ainda há indícios do DES e de vários levantamentos de galáxias anteriores de que o universo atual é alguns por cento menos amontoado do que o previsto — um achado intrigante digno de uma investigação mais aprofundada.

Foto 1: O Dark Energy Survey registrou cerca de 5.000 graus quadrados do céu meridional. A pesquisa mapeou centenas de milhões de galáxias para ajudar os pesquisadores a entender a expansão acelerada de nosso universo. Foto: Reidar Hahn, Fermilab.

“No aspecto de restringir o que sabemos sobre a distribuição e estrutura da matéria em grandes escalas, influenciadas pela energia escura, o DES obteve limites que rivalizam e complementam os obtidos através do fundo cósmico de micro-ondas”, disse Brian Yanny, cientista da Fermilab que coordenou o processamento e o gerenciamento de dados do DES. “É emocionante ter as medidas mais precisas do que está lá fora e uma melhor compreensão de como o universo mudou de sua infância até hoje.”

A matéria comum representa apenas cerca de 5% do universo. A energia escura, que os cosmólogos assumem como impulsionadora da expansão acelerada do universo, contrabalançando a força da gravidade, é responsável por cerca de 70%. Os últimos 25% são a matéria escura, cuja influência gravitacional une galáxias. Tanto a matéria escura quanto a energia escura permanecem invisíveis e misteriosas, mas o DES procura iluminar suas naturezas estudando como a competição entre eles molda a estrutura em larga escala do universo ao longo do tempo cósmico.

O DES fotografou o céu noturno usando a Câmera de Energia Escura de 570 megapixels no telescópio Blanco de 4 metros no Observatório Interamericano de Cerro Tololo, no Chile, uma divisão do NOIRLab da National Science Foundation. Uma das câmeras digitais mais poderosas do mundo, a Câmera de Energia Escura foi projetada especificamente para o DES, construída e testada na Fermilab. Os dados do DES foram processados no National Center for Supercomputing Applications da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.

“Essas análises são verdadeiramente o estado-da-arte, exigindo inteligência artificial e computação de alto desempenho conduzidas pelos jovens cientistas mais inteligentes ao redor”, disse Scott Dodelson, físico da Universidade Carnegie Mellon, que co-lidera o Comitê de Ciências do DES com Elisabeth Krause, da Universidade do Arizona. “Que honra fazer parte desta equipe.”.

Para quantificar a distribuição da matéria escura e o efeito da energia escura, o DES se baseou em dois fenômenos principais. Primeiro, em grandes escalas, as galáxias não são distribuídas aleatoriamente pelo espaço, mas sim formam uma estrutura como uma teia devido à gravidade da matéria escura. O DES mediu como essa teia cósmica evoluiu ao longo da história do universo. A aglomeração de galáxias que forma a teia cósmica, por sua vez, revelou regiões com maior densidade de matéria escura.

Segundo, o DES detectou a assinatura da matéria escura através de lentes gravitacionais fracas. À medida que a luz de uma galáxia distante viaja pelo espaço, a gravidade da matéria comum e da matéria escura pode desviá-la, resultando em uma imagem distorcida da galáxia vista da Terra. Ao estudar como as formas aparentes das galáxias distantes estão alinhadas entre si e com as posições de galáxias próximas ao longo da linha de visão, os cientistas do DES inferiram a distribuição espacial (ou aglomeração) da matéria escura no universo.

Foto 2: O Dark Energy Survey fotografou o céu noturno usando a Camêra de Energia Escura de 570 megapixels no telescópio Blanco de 4 metros no Cerro Tololo, Inter-American Observatory no Chile, uma divisão do NOIRLab da National Science Foundation. Foto: Reidar Hahn, Fermilab

Analisar as enormes quantidades de dados coletados pelo DES foi um empreendimento formidável. A equipe começou analisando apenas o primeiro ano de dados, que foi divulgado em 2017. Esse processo preparou os pesquisadores para usar técnicas mais sofisticadas para analisar o conjunto de dados maior, que inclui a maior amostra de galáxias já usadas para estudar lentes gravitacionais fracas.

Por exemplo, calcular o desvio para o vermelho (“redshift”) de uma galáxia – a mudança no comprimento de onda da luz devido à expansão do universo – é um passo fundamental para medir como tanto o agrupamento de galáxias quanto o lenteamento gravitacional fraco mudam durante a história cósmica. O redshift de uma galáxia está relacionado à sua distância, o que permite que o agrupamento seja caracterizado tanto no espaço quanto no tempo.

“Houve uma melhora significativa na forma de calibrar as distribuições de redshifts nos catálogos da galáxia”, disse Judit Prat, pós-doutora da Universidade de Chicago, que analisou lentes gravitacionais fracas capturadas pelo DES. “Foi um esforço enorme no qual as pessoas trabalharam muito. Agora temos um método que ninguém usou antes, e é muito robusto.”

Dez regiões do céu foram escolhidas como “campos profundos” que a Câmera de Energia Escura examinou repetidamente ao longo do levantamento. “Empilhar” essas imagens permitiu que os cientistas vislumbrassem galáxias mais distantes. A equipe então usou as informações do redshift dos campos profundos para calibrar as medições dos redshifts no resto da região do levantamento. Este e outros avanços nas medições e modelagem, juntamente com um aumento de três vezes de dados em relação ao primeiro ano, permitiram que a equipe determinasse a densidade e o agrupamento do universo com precisão sem precedentes.

Junto com a análise dos sinais de lente fraca, o DES também mede outras quantidades que restringem o modelo cosmológico de maneiras independentes: aglomeração de galáxias em escalas maiores (oscilações acústicas de bárions), a frequência de grandes aglomerados de galáxias, e medições de alta precisão dos brilhos e redshifts das supernovas do tipo Ia. Essas medidas adicionais serão combinadas com a análise atual de lentes gravitacionais fracas para produzir restrições ainda mais rigorosas no modelo padrão.

“O DES forneceu resultados científicos com um custo eficiente e de ponta diretamente relacionados à missão da Fermilab de perscrutar a natureza fundamental da matéria, energia, espaço e tempo”, disse o diretor da Fermilab, Nigel Lockyer. “Uma equipe dedicada de cientistas, engenheiros e técnicos de instituições ao redor do mundo concretizou o DES.”

A colaboração do DES é composta por mais de 400 cientistas de 25 instituições em sete países.

“A colaboração é notavelmente jovem. Está fortemente direcionada para pós-doutores e estudantes de pós-graduação que estão fazendo uma enorme quantidade desse trabalho”, disse o diretor e porta-voz do DES, Rich Kron, que é cientista da Fermilab e da Universidade de Chicago. “Isso é muito gratificante. Uma nova geração de cosmólogos está sendo treinada usando o Dark Energy Survey.”

O DES concluiu suas observações do céu noturno em 2019. Com a experiência de analisar a primeira metade dos dados, a equipe agora está preparada para lidar com o conjunto completo de dados. Espera-se que a análise final do DES obtenha uma imagem ainda mais precisa da matéria escura e da energia escura no universo. E os métodos desenvolvidos pela equipe abriram caminho para futuras pesquisas no céu para sondar os mistérios do cosmos.

“O verdadeiro legado do DES serão os avanços que tivemos que fazer que foram essenciais para este resultado-chave, e que serão críticos para a próxima geração de experimentos cosmológicos que começam em breve”, disse Michael Troxel, físico da Duke University e coordenador-chefe do projeto para a análise de dados de três anos do DES. Os próximos experimentos incluem tanto experimentos de imageamento baseados no espaço quanto levantamentos em telescópios terrestres, como o Vera C. Rubin Observatory Legacy Survey of Space and Time (LSST).

“Com esses instrumentos que construímos para olhar para o escuro, estamos trabalhando para resolver mistérios universais”, disse Troxel.

Foto 3: Imagem de campo profundo: dez áreas no céu foram selecionadas como “campos profundos” que a Camêra de Energia Escura fotografou várias vezes durante a pesquisa, fornecendo um vislumbre de galáxias e ajudando a determinar sua distribuição 3-D no cosmos. Foto: Dark Energy

A participação de cientistas brasileiros no DES só foi possível graças às contribuições in-kind feitas pelo Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA) à colaboração ao longo dos mais de 14 anos com o apoio financeiro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do e-Universo, FINEP, CNPq, FAPERJ e FAPESP. “Para essa análise a maior contribuição direta da equipe brasileira foi no estudo e validação da chamada matriz de covariância, importante ingrediente para a estimativa de parâmetros cosmológicos a partir das medidas observacionais, e da análise da Oscilação Acústica de Bárions.”, disse Rogério Rosenfeld, professor da IFT-UNESP/ICTP-SAIFR e um dos pesquisadores brasileiros envolvidos neste estudo.

“É com enorme satisfação ver os pesquisadores brasileiros, na sua maioria no início de carreira, participarem proativamente neste trabalho de vanguarda.” comenta o Diretor geral do LIneA, Luiz Nicolaci. “Isso mostra que estamos preparados para contribuir efetivamente para o próximo grande experimento, o Legacy Survey of Space and Time”, completa Nicolaci.

Os resultados recentes do DES serão apresentados em um seminário científico em 27 de maio. Vinte e nove trabalhos estão disponíveis no repositório online arXiv.org.

A participação de cientistas brasileiros no DES é coordenada pelo Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia, LIneA, e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do e-Universo, com apoio financeiro da FINEP, CNPq, FAPERJ e FAPESP.

Vídeo do resultado Dark Energy Survey: Exploring 7 billion light years of space with the Dark Energy Survey (legenda em Português gerada automaticamente pelo YouTube)

O Dark Energy Survey é uma colaboração de mais de 400 cientistas de 25 instituições em sete países. Para obter mais informações sobre a pesquisa, visite o site do experimento.

O financiamento para os Projetos DES foi fornecido pelo Departamento de Energia dos EUA, pela Fundação Nacional de Ciência dos EUA, pelo Ministério da Ciência e Educação da Espanha, pelo Conselho de Instalações de Ciência e Tecnologia do Reino Unido, pelo Conselho de Financiamento do Ensino Superior da Inglaterra, pelo Centro Nacional de Aplicações de Supercomputação da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, pelo Instituto Kavli de Física Cosmológica da Universidade de Chicago, pela Financiadora de Financiamento e Projetos no Brasil, Fundação Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Ministério da Ciência e Tecnologia, Fundação Alemã de Pesquisa e instituições colaboradoras na Pesquisa de Energia Escura.

O Observatório Inter-Americano de Cerro Tololo é um programa do NOIRLab da NSF, operado pela a Associação de Universidades de Pesquisa em Astronomia (AURA) no âmbito de uma cooperativa em acordo com a National Science Foundation. NSF é uma Agência Federal independente criada pelo Congresso em 1950 para promover o progresso da ciência. A NSF apoia a pesquisa básica e as pessoas para criar conhecimento que transforma o futuro.

A NCSA da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign fornece supercomputação e recursos digitais para o empreendimento científico do país. Na NCSA, corpo docente da Universidade de Illinois, funcionários, alunos e colaboradores de todo o mundo usam recursos digitais avançados para enfrentar os grandes desafios da pesquisa para o benefício da ciência e da sociedade. A NCSA tem avançado um terço da Fortune 50® por mais de 30 anos, trazendo a indústria, pesquisadores e alunos juntos para resolver grandes desafios em alta velocidade e escala. Para maiores informações, visite www.ncsa.illinois.edu.

Fermilab é o principal laboratório nacional da América para física de partículas e pesquisa de aceleradores. Laboratório do Departamento de Energia dos EUA, o Fermilab está localizado perto de Chicago, Illinois, e operado sob contrato pela Fermi Research Alliance LLC. Visite o site da Fermilab em www.fnal.gov e siga-nos no Twitter em @Fermilab.

O DoE Office of Science é o maior defensor da pesquisa básica nas ciências físicas nos Estados Unidos e está trabalhando para enfrentar alguns dos desafios mais urgentes de nosso tempo. Para mais informações, visite science.energy.gov.

O LIneA é um instituto de ciência e tecnologia privado cuja missão é viabilizar a participação de pesquisadores e estudantes em colaborações internacionais; apoiar centros emergentes, fornecer acesso a acervos de dados astronômicos e a uma infraestrutura de processamento intensivo de dados, e desenvolver soluções para problemas de big data nas áreas de astronomia e cosmologia. Atualmente as atividades do LIneA são apoiadas pela FINEP, e CNPq e FAPERJ através do programa dos INCTs. Visite o site do LIneA www.linea.org.br e acompanhe as atualizações no Twitter @LIneA_mcti e Facebook @LIneA.mcti.

Fonte: Fermilab (link)
Tradução: Equipe LIneA

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