Nos limites do Sistema Solar: a passagem da sonda New Horizons pelo asteroide “Última Thule”

06 de fevereiro de 2019 | LIneA

Lançada em janeiro de 2006, a sonda New Horizons passou por Júpiter no ano seguinte, onde ganhou impulso gravitacional para chegar em Plutão, somente em julho de 2015. O objetivo da sonda foi estudar in situ, pela primeira vez na história, Plutão e seu sistema de luas. A missão foi um sucesso e mostrou coisas incríveis na superfície do planeta-anão, tais como montanhas de gelo com cerca de 4 km de altitude (o Everest tem pouco mais de 8 km) e uma área enorme de superfície plana com alta atividade de sublimação e condensação de nitrogênio (chamada de Sputinik platum). A New Horizons foi também capaz de medir a atmosfera de Plutão, além de observar canyons na sua maior lua, Caronte, com até de 9 km de profundidade e mais de 700 km de extensão (o Grand Canyon, nos Estados Unidos, possui apenas cerda de 1,8 km de profundidade e pouco menos de 450 km de extensão).

Após sua passagem por Plutão, a sonda se encaminhou para um outro asteroide, chamado 2014 MU69 e apelidado de “Última Thule” (nome de origem grega e latina que significa “além do universo conhecido”). Depois de mais de 4 anos de viagem (afinal, o objeto está a mais de 6,5 bilhões de quilômetros da Terra), no dia 1 de janeiro de 2019, pouco depois da virada do ano, a sonda passou por um pequeno asteroide (Figura 1) que já vinha intrigando os astrônomos desde sua descoberta em 2014 pelo telescópio espacial Hubble.

Figura 1: Ultima Thule visto pela New Horizons no dia 30 de dezembro de 2018 – 37 horas antes da máxima aproximação – a uma distância de aproximadamente 1,9 milhões de km. Cada pixel da imagem da esquerda representa cerca de 9,4 km. A imagem da direita é a mesma da esquerda com a aplicação de uma técnica de sobre-amostragem de pixel (divide-se cada pixel da imagem da esquerda em uma nova grade, por exemplo de 100×100 pixeis e faz-se um ajuste de um modelo para se obter uma melhor definição). Créditos da imagem: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute
Figura 2: Imagens sobrepostas da descoberta do Ultima Thule (destacado nos círculos) pelo telescópio espacial Hubble. Os dois objetos mais brilhantes ao fundo são 2 estrelas do campo que estão “corridas” (isto é, não são pontuais) porque o telescópio Hubble fez o acompanhamento do objeto, que está se movendo em relação às estrelas. Créditos da imagem: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute

Última Thule pertence ao cinturão de Kuiper, formado por asteroides além da órbita de Netuno. Ele é parte de uma classe do cinturão de Kuiper chamada “Clássico Frio”, de objetos com órbita quase circular e com baixa inclinação, indicando que sofreram pouca perturbação desde sua formação (que se acredita ter sido na mesma época da formação do Sistema Solar). Após sua descoberta, observações utilizando a técnica de ocultações estelares (quando usa-se a ocultação de uma estrela pelo asteroide para descrever suas características), indicavam que o asteroide poderia ser não apenas um, mas dois objetos “ligados” orbitando em torno de um ponto de gravidade em comum (chamado binário de contato).

O pesquisador Gustavo Benedetti Rossi, do Observatório Nacional/ LIneA, foi convidado por Marc Buie para participar do evento da NASA, devido ao trabalho desenvolvido por Gustavo no mestrado, de astrometria de Plutão, que ajudou no desenvolvimento de novas efemérides do planeta anão. Efemérides são conjuntos de dados que informam a posição e outras informações sobre um objeto em função do tempo. Esse trabalho, inclusive, levou a uma correção na “órbita” da New Horizons. O evento foi realizado na Universidade Johns Hopkins, nos EUA, e o pesquisador do ON acompanhou toda a expectativa da equipe (Figura 3). O evento contou com várias entrevistas e podcasts com a equipe científica, além da presença do astrofísico e guitarrista da banda Queen, Brian May, que também é simpatizante e apoiador da sonda. Além de participar, ele lançou um novo single (ouça aqui) em homenagem à sonda pouco antes das duas contagens regressivas para a virada do ano e para a passagem da sonda.

Figura 3: O pesquisador Gustavo Benedetti Rossi no evento da NASA realizado na Universidade Johns Hopkins nos EUA. Créditos da imagem: Gustavo B. Rossi

Após a passagem da sonda, o asteroide Ultima Thule tornou-se o objeto mais distante e mais primitivo já explorado por uma sonda. As imagens obtidas – que só chegaram à Terra pela manhã, quase 7 horas depois da passagem da New Horizons – revelaram suas características físicas: o Ultima Thule é realmente um binário de contato de tamanho total aproximado de 30km, com uma superfície com crateras de impacto de corpos menores e com os dois lóbulos quase idênticos de cor bastante avermelhada. Além disso, a sonda também procurou por satélites, presença de atmosfera, anel ou outros materiais (detritos restos de alguma colisão, por exemplo), mas não encontrou nada até agora. Entretanto, isso pode mudar, já que os dados completos da aproximação sonda demorarão mais de 15 meses para chegar até nós).

Astrônomos aguardam ansiosos para receber todos estes dados, que podem dar dicas importantes sobre a matéria inicial da formação do Sistema Solar, revelando quais eram as condições físicas nesta região quando ele se formou. As informações da sonda são peças fundamentais e complementam ainda mais as pesquisas realizadas pelo grupo de Sistema Solar do LIneA que, entre outros, fazem a caracterização destes objetos distantes com observações da Terra e também procuram contar como nosso sistema planetário se formou e evoluiu.

Figura 4: O astrofísico, guitarrista da banda Queen e simpatizante da New Horizons, Brian May, que esteve presente no evento e lançou uma música em homenagem à sonda. Créditos da imagem: Gustavo B. Rossi Figura 5: O Ultima Thule, em escala de cinza, visto pela câmera MVIC (Multicolor Visible Imaging Camera) da New Horizons quando a sonda estava aproximadamente a 6700 km de distância do objeto. Cada pixel tem uma resolução de 135 metros. Créditos da imagem: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Southwest Research Institute

LIneA é um laboratório apoiado pelo Observatório Nacional (ON), Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), e pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), criado com a finalidade de dar suporte à participação brasileira em levantamentos astronômicos. O INCT do e-Universo também apoia brasileiros participantes de grandes levantamentos astronômicos, incluindo o LSST.

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